O conforto acústico em hospitais, mais do que uma solução de arquitetura e engenharia, é um ato de cuidado com o ser humano

A acústica hospitalar é um dos mais complexos desafios para os profissionais que atuam no setor. Amenizar os impactos da pressão sonora proveniente do entorno – na envoltória, principalmente no ambiente urbano -, ou equalizar e condicionar a acústica dos espaços, com a diversidade de usos e finalidades distintas – no convívio ininterrupto com equipamentos e sinais sonoros é algo que demanda um profundo estudo da engenharia acústica.

O tratamento sonoro em hospitais é mais do que uma solução de arquitetura e engenharia, é um ato de cuidado e respeito com o ser humano. Começando pela recepção e outros ambientes de visitação, o conforto, a sobriedade e o requinte, na maioria das vezes, dão o tom de acolhimento do local. Na área de emergência, a corrida é incessante pelos primeiros socorros, tudo está em movimento constante; na enfermaria, o repouso e os cuidados da recuperação são sagrados; já nas salas de cirurgia de alto risco e complexidade, o silêncio precisa ser absoluto para que a concentração gere movimentos precisos para salvar vidas que muitas vezes podem estar por um fio.

O equilíbrio sonoro é fundamental em cada m² do organismo chamado hospital, que recebe um fluxo de pessoas, ambulâncias, entre outros equipamentos de mobilidade, que se locomovem com velocidades e maneiras diferentes, durante 24 horas, todos os dias. Portanto, é importante que especialistas em acústica, que atuam na área de saúde, compreendam a dinâmica e a importância do trabalho no processo de cura e recuperação de pacientes, do efeito que a acústica produz na diminuição do estresse em médicos, enfermeiros e profissionais da saúde, que atuam sob pressão constante. Além do conforto que proporciona aos pacientes e familiares que estão nestes locais em situações de medo, desespero e aflição.

Envoltória

Para Olavo Fonseca Filho, diretor da Sonar Engenharia, entre os principais desafios do isolamento acústico em hospitais está o mapeamento sonoro do entorno. “Esse processo é fundamental, pois, na fase de projeto, contribui para a implantação correta do edifício no terreno e para que a localização dos setores mais sensíveis fique distante das fachadas mais expostas. Entre outras coisas, esse processo determina o correto dimensionamento acústico das esquadrias a serem utilizadas para o fechamento dos vãos”.

Imagens: Hospital Estadual de Sorocaba e Hospital Estadual de São José dos Campos

Outro aspecto fundamental para o controle dos impactos sonoros externos é análise dos equipamentos prediais que ficam ao ar livre, como condensadoras do sistema de ar condicionado, casas de máquinas internas, centrais de geração de energia. Essa avaliação, segundo Fonseca Filho, auxilia no dimensionando de soluções acústicas adequadas, como barreiras e enclausuramentos acústicos, sistemas de drywall especial, portas e atenuadores acústicos, revestimento acústico interno e bases antivibratórias para as máquinas.

Imagens: Barreiras acústicas para equipamentos prediais hospitalares 

“A construção do edifício – no invólucro – deve ser bem robusta, com materiais massivos como: concreto armado, alvenaria de blocos de concreto preenchidos com argamassa ou alvenaria de tijolos na posição de 200 mm de espessura, ressalta Maria Luiza Belderrain, sócia-diretora da CLB Engenharia Consultiva.

Em 2013, a CLB Engenharia realizou um estudo acústico para um hospital da zona sul de São Paulo, próximo ao Aeroporto de Congonhas, onde revelou que na decolagem de aeronaves o nível de ruído dentro dos quatro apartamentos avaliados alcançava, com janela aberta, de 66 dB a 72 dB e, com a com janela fechada, de 52 a 57 dB. A norma NBR 10152 apresenta na tabela 3 – Valores de Referência para Ambientes Internos de uma Edificação (de acordo com sua finalidade de uso), os critérios de conforto acústico para hospital, onde a NC = Noise Criteria (curva padronizada de ruído por faixas de frequência): quartos individuais é de no mínimo 35 dB ou NC-30.

“A solução especificada, neste caso, foi a substituição das janelas existentes por outras acústicas, modelo maxim ar, com vidro laminado (duas lâminas de vidro intercaladas por filme de PVB) com espessura mínima para prover isolamento sonoro > 40 dBA. O mais intrigante, é que a maioria dos hospitais da cidade de São Paulo está localizada nas vias de tráfego elevado ou próxima a aeroportos”, alerta Belderrain.

Condicionamento dos espaços

A tendência de hospitais particulares adotarem acomodações que visam o aconchego e o conforto dos pacientes é uma realidade. O nível de ruído compatível com o conforto acústico em ambientes hospitalares como apartamentos, enfermarias, berçários e centros cirúrgicos vai de 35 a 45 dB. De acordo com Andrea Destefani, sócia da Consultoria Ca2, é imprescindível classificar os ambientes de um hospital conforme o uso, ambientes adjacentes e requisitos acústicos para conforto e isolamento de cada espaço.

“Existem áreas no hospital que exigem maior privacidade, como leitos de UTI, maternidade, centros de exames e terapia. Outros ambientes são emissores de ruído e precisam ser isolados, como lanchonetes, recepção, áreas técnicas de ar condicionado, lavanderias e sala de grupo gerador. Conforme estas características, junto ao levantamento da taxa de ocupação, período de uso, volume do ambiente é possível calcular a demanda por isolamento acústico e área de absorção sonora que deve ser promovida por revestimentos acústicos”, explica Destefani. Os leitos, em geral, são divididos por vedações em drywall e as portas são em madeira. “É importante que as vedações, portas e lajes também sejam especificadas visando o isolamento acústico entre ambientes adjacentes”, ressalta.


Imagens: Projetos hospitalares – Empresa Vescom

O som e o ruído indesejados afetam a fisiologia e psicologia do ser humano. O ruído, principalmente em um ambiente hospitalar, pode aumentar a frequência cardíaca, pressão arterial, taxa de respiração e até os níveis de colesterol no sangue dos pacientes. Boas condições acústicas melhoram a privacidade e promovem melhores condições de sono do paciente. “Um bom projeto acústico traz benefícios em relação ao conforto do paciente e da equipe, além de maior eficiência e usabilidade do próprio hospital”, completa Destefani.

Fonseca Filho complementa que, via de regras, a solução acústica deve ser aplicada com a adoção de forros. As paredes dos hospitais precisam ser lisas por questão de higiene e para instalação dos equipamentos hospitalares. O projeto precisa prever a utilização de piso vinílico para absorver o impacto do caminhar e da passagem das macas. Para a área de apartamentos, um bom sistema de forros acústicos removíveis, em fibra mineral, facilita a manutenção e promove o devido conforto acústico. Nesse caso, o forro pode ter um NRC e αw ≥0,60.

Para área de berçários, Fonseca Filho recomenda um sistema de lonas acústicas tensionadas, que promovem um ambiente limpo, único e sem emendas, que pode ser plotado com imagens de temas infantis e contribuir com a linguagem visual do espaço. “A depender da distância da laje, essa solução pode obter NRC superior a 0,80, ou seja, absorção de 80% da energia sonora incidente”, conclui. 


Imagens: Projetos hospitalares – Empresa Vescom 

Já as enfermarias, por serem ambientes mais amplos, e com maior concentração de pessoas, necessitam de um forro com maior absorção sonora, de fácil manutenção, e que atenda aos requisitos de limpeza de áreas hospitalares. Além disso, precisam de um índice CAC ≥ 30dB que melhora a privacidade acústica nos leitos.

Com relação às portas de acesso aos centros cirúrgicos, berçários, enfermarias e apartamentos, devem possuir um índice de isolamento sonoro (STC = sound transmission class) de ao menos 40 dB, o que se consegue utilizando antecâmaras − duas portas separadas por um espaço intermediário −, ou por meio de uma porta dupla acústica, com muita massa e vedação central através de marco “macho-fêmea”, provido de material elastomérico no contato, explica Belderrain. “Não se pode admitir frestas inferiores, para tanto, utiliza-se travas retráteis que, ao acionar as portas – pelas barras antipânico ou de acesso – destravam automaticamente”, salienta a consultora. 

Ambientes de alta complexidade

Em projetos hospitalares as questões de higiene, segurança e manutenção são extremamente importantes. Os revestimentos acústicos devem conter tratamento antibacteriano, antifúngico e ignífugo, atendendo as normas de vigilância sanitária e corpo de bombeiros. “Os materiais selecionados devem apresentar também facilidade de limpeza e reposição”, explica Destefani.

Existem no mercado empresas que disponibilizam linhas de forros acústicos que atendam a estes requisitos.  Segundo Marcelo Godoy, diretor da consultoria Modal Acústica, “a seleção de tecidos, pisos e materiais de revestimento em paredes também podem ter um efeito significativo na redução sonora dessas áreas. O mercado oferece opções específicas como placas em fibra mineral e chapas metálicas microperfuradas”, esclarece.

Regulamento RDC50

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) revisou, em 2002, o RDC nº 50 – regulamento que estabelece os requisitos de projetos de edificações e de instalações para os estabelecimentos de saúde e se refere a ambientes hospitalares em geral. “A revisão de 2002 do regulamento reforçou a importância da acústica nos ambientes de EAS (Estabelecimentos Assistenciais de Saúde), indicando normas e critérios de conforto. O pleno atendimento a todos estes critérios muitas vezes é difícil, mas a inclusão de projetistas e consultores de acústica na equipe de desenvolvimento de projetos novos ou de reformas contribui para que haja maior conforto”, explica Godoy.

O conjunto de normas do RDC50 preconiza que os materiais a serem especificados para paredes, pisos e tetos dos ambientes devem ser resistentes à lavagem e ao uso de desinfetantes. “Assim, como em áreas de procedimentos críticos, os ambientes não devem possuir quinas vivas nos encontros das paredes e parede-piso. Isso evita o acúmulo de sujeira e melhora a difusão sonora no seu interior, assim como os revestimentos devem ser únicos, sem emendas, evitando o acúmulo de sujeira e facilitando a limpeza”, enfatiza Fonseca Filho.

NOTA: Parte das imagens que ilustram esta matéria foram cedidas pelos profissionais que contribuíram com a redação. A ausência de créditos aos fotógrafos é decorrente da não disponibilização desta informação.