Como conviver com ruídos sem perder a concentração no trabalho
Título | Como conviver com ruídos sem perder a concentração no trabalho
Fonte | Folha de de São Paulo de 26/05/18
Autoria | Anna Rangel
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O silêncio faz diferença para quem quer aumentar ou manter a produtividade no trabalho. Isso porque o barulho prejudica o cérebro na hora de juntar, quantificar e memorizar as informações que recebe.
“Quando a pessoa é interrompida por um ruído imprevisto, como uma risada ou conversa agitada, cria-se uma competição de estímulos mentais”, explica o médico neurologista Jorge Moll, presidente do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino.
Para manter a concentração, o volume ideal é de 48 a 52 decibéis, o equivalente a uma conversa em tom de voz baixo, segundo estudo da Universidade Cornell (EUA).
Em um ambiente mais quieto, o profissional não fica em estado de alerta o tempo todo, esperando um barulho que o pegue de surpresa.
“Assim, a pessoa relaxa um pouco e consegue pensar com clareza”, explica Mario Fernando Peres, neurologista do Hospital Albert Einstein.
Já que não dá para apertar o botão “silenciar” nos colegas ou na rua, há quem procure se disciplinar para abstrair os ruídos e manter o foco.
A tradutora Luciane Camargo, 33, convive com quatro obras ao lado de sua casa, em Itapetininga, a 180 quilômetros de São Paulo.
Para driblar as britadeiras, é comum acordar às 4h ou 5h e ganhar três horas de silêncio logo de manhã.
Mas a tática cobre apenas metade do expediente. Para o resto do dia, foi preciso pensar em um jeito de trabalhar mesmo com o alvoroço lá fora.
“Me imponho uma meta de palavras para traduzir até um horário e me esforço para manter o foco até lá. Concentração é treino”, diz.
Quando bate a meta, Luciane se gratifica com alguns minutos para um café ou para brincar com seus cães.
“Desenvolver a capacidade de abstrair sons indesejados é fundamental para melhorar a atenção e a produtividade”, afirma o médico e neurocientista Ivan Izquierdo, coordenador do Centro de Memória do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul.
Os indesejados, diz Izquierdo, são os ruídos. Os que importam são chamados sinais.
“Devemos nos submeter ao barulho e tentar aos poucos ouvir cada som individualmente. Isolar os sons que importam e deixar de lado o resto é um exercício, o único jeito de desenvolver essa habilidade”, diz Izquierdo, autor de “Silêncio, por favor!” (Ed. Unisinos; 116 págs., R$ 14,90).
No cérebro, essa regulação da atenção acontece abaixo do córtex, no tronco encefálico, em uma região chamada tegmento ventral.
É mais difícil desenvolver essa capacidade de abstração quando o barulho interrompe o raciocínio de repente, segundo Ana Merzel Kernkraut, que coordena o serviço de psicologia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
“Quando há uma obra ou outro som constante, claro que é incômodo, mas a pessoa vai abstraindo o som de forma gradativa e demora menos para retomar seu fluxo de pensamento.”
Quem não consegue ignorar os ruídos pode usar fones de ouvido do tipo que cancela o som externo, mas desligados, sugere o otorrinolaringologista Oswaldo Laércio, do Hospital Sírio-Libanês.
Sem música, eles são protetores auriculares bastante potentes, já que os tradicionais, de espuma, só garantem isolamento de até 25 decibéis (ou o tique-taque de um relógio).
O consultor de marketing Gabriel Ishida, 30, usa o dispositivo quando precisa entregar relatórios com muitos dados para seus clientes, onde há métricas que afetam os investimentos dessas empresas.
Mesmo quando trabalha em lugares públicos, como no Parque Buenos Aires (no centro) ou no CCSP (Centro Cultural São Paulo, na zona sul), Gabriel usa os fones.
“Uma vez, a abstração foi tanta que não percebi uma perseguição policial atrás de mim. O ladrão estava correndo, e as pessoas gritavam atrás dele. Só notei a comoção quando percebi sombras passando na minha frente”, conta.
Os fones podem ser uma alternativa para resolver o problema, mas o ideal é manter os ouvidos descobertos, segundo Izquierdo, e educar a si mesmo e aos colegas para zelar por conversas e telefones em volume baixo.
A publicitária Neiva Borges, 43, já trabalhava na Sodexo, em São Paulo, quando a empresa adotou escritórios abertos, sem salas e divisórias, e passou a se policiar para não incomodar os outros.
“Reconheço que falo alto, gesticulo, então ficava de olho se um colega lançava um olhar de desaprovação”, diz Neiva.
Quando ela precisa se concentrar, pede um dia para trabalhar de casa ou usa uma das salas de reunião.
Os escritórios abertos viraram favoritos dos gestores de RH no Brasil há pelo menos cinco anos e ajudam a melhorar a colaboração, mas podem afetar a concentração, aponta Peres, do Albert Einstein.
Agora, a empresa planeja criar a “sala da vaca amarela”, conta a gerente de RH da Sodexo, Verônica Souza. “O plano é criar esse local, de uso coletivo, onde a norma será o silêncio total”, diz.
77% das pessoas preferem um escritório silencioso; 69% estão insatisfeitas com o barulho
até 40% do tempo de um dia de trabalho é dedicado a atividades que demandam silêncio
42% das pessoas tentam minimizar distrações usando fones ou outras soluções
85 decibéis ou o toque do telefone no volume alto: esse deveria ser o limite máximo de barulho no trabalho
Fontes: Pesquisa “Workplace Survey”, da Gensler, que projeta escritórios e falou com 2.035 pessoas nos EUA, OMS (Organização Mundial da Saúde) e Universidade Cornell (EUA)