Novas diretrizes europeias para o ruído ambiental são divulgadas pela OMS
A OMS e as comunidades de projetistas acústicos alertam para os distúrbios diretos e indiretos causados pelo desconforto sonoro. Além das fontes tradicionais, novos aparelhos e equipamentos geradores de ruído como as turbinas eólicas, os drones e o lixo sônico ocupam o espaço terrestre e aéreo. Dados da Organização Mundial da Saúde revelam que a poluição sonora ultrapassou a água e agora ocupa o segundo lugar como fenômeno indesejável e ameaçador ao bem estar dos seres vivos do planeta. A solução complexa e multidisciplinar exige a criação de políticas públicas, o que leva tempo e depende da ação dos governantes.
Com relação aos geradores de energia eólica, a OMS divulgou, em outubro, novas diretrizes europeias para o ruído ambiental, com recomendações de limites de exposição à poluição. Incluem, pela primeira vez, o ruído emitido por turbinas eólicas, que não pode exceder 45 db durante o dia.
Por ser percebida apenas por um sentido do corpo humano e animal – a audição – a poluição sonora, durante longos anos, foi considerada menos importante no ranking das preocupações. Perdia para a poluição do ar e para a poluição da água como fontes ameaçadoras à saúde humana. A partir de 2011, isso mudou de figura. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a poluição sonora ultrapassou a água e agora ocupa o segundo lugar como fenômeno indesejável e ameaçador ao bem estar dos seres vivos do planeta.
“Todos nós estamos expostos à poluição sonora”, explica a fonoaudióloga Ana Claudia Fiorini, da Unifesp. Segundo ela, “se a gente imaginar uma comunidade indígena, podemos dizer que essa população se encontra ‘menos’ exposta à poluição sonora”. Em palestra recente, Fiorini salientou que uma criança, no meio urbano, sofre com o impacto dos ruídos dos veículos, motos e aviões, da construção civil e das atividades de lazer desde o momento em que nasce. E, se nada for feito, essa mesma criança, em breve, estará sujeita ao “vício fisiológico” dos fones de ouvido, música alta e o inquieto cotidiano escolar.
Há muito tempo, a OMS e as comunidades de projetistas acústicos alertam para os distúrbios diretos e indiretos causados pelo desconforto sonoro. Os legisladores, as autoridades, os educadores e os profissionais de saúde fazem o que podem mas cresce a dificuldade em controlar fontes não só no volume como na quantidade. Além das fontes tradicionais, novos aparelhos e equipamentos geradores de ruído como as turbinas eólicas, os drones e o lixo sônico ocupam o espaço terrestre e aéreo. Para o Vice-Presidente de Atividades Técnicas, Marcos Holtz, “nos dias atuais, a lista de fontes geradoras de ruído é dinâmica, com o surgimento de novas fontes e a mudança constante das fontes existentes. O advento dos veículos elétricos e autônomos pode mudar o cenário atual da poluição sonora. Os veículos voadores, nos moldes dos drones atuais, aparentam ser uma novidade que ainda precisa ser estudada, assim como o lixo sônico gerado pelos aparelhos eletrônicos do cotidiano”, diz.
Com relação aos geradores de energia eólica, a OMS divulgou, em outubro, novas diretrizes europeias para o ruído ambiental, com recomendações de limites de exposição à poluição. Incluem, pela primeira vez, o ruído emitido por turbinas eólicas, que não pode exceder 45 db durante o dia. “As turbinas eólicas se mostraram uma solução ecológica limpa para a geração de energia, porém, deve-se ter cuidado com o impacto na população próxima por ser, dentre os presentes no estudo, um dos mais incômodos, com nível médio anual recomendado pela OMS”, reforça Marcos Holtz.
Na lista de distúrbios prejudiciais à saúde humana, o relatório introduz ainda os riscos provocados por ruídos recreacionais (leisure noise), com recomendações tanto para ambientes externos quanto internos, como night clubs, pubs, aulas de academia, apresentações esportivas, shows ou até mesmo música alta tocada por fones de ouvido. A diretora do escritório regional para a Europa da OMS, Zsuzsanna Jakab, insistiu no tema: “Mais do que um incômodo, o excesso de ruído constitui um risco à saúde. Contribui, por exemplo, para doenças cardiovasculares”. A psicóloga Jördis Wothge, da OMS em Bonn, na Alemanha, acrescentou: “Barulho adoece e a exposição contínua ao ruído pode elevar a pressão sanguínea e, em casos extremos, até mesmo causar enfartes”.
Entre as mais de 30 variáveis, a poluição sonora pode provocar distúrbios do sono, possíveis causadores de perturbações e funções imunológicas, com influências no controle central do apetite e no gasto de energia, passíveis de aumentar os níveis do hormônio de estresse. Com base nessas premissas, um estudo recente surpreendeu a comunidade de saúde ao relacionar o ruído do tráfego rodoviário com a circunferência da cintura.
Estudioso dos efeitos da poluição sonora na saúde humana, o pesquisador do Instituto Karolinska, da Suécia, Andrei Pyko, concluiu alguns levantamentos que acabaram por servir de base às recomendações da OMS. Ele identificou uma relação entre a exposição ao ruído de trânsito e a obesidade, mas ainda sem nenhuma prova definitiva. “O ruído do trânsito pode influenciar funções cardiovasculares e metabólicas por meio de distúrbios do sono e estresse crônico. O sono é um importante moderador da liberação de hormônios, da regulação de açúcares e de funções cardiovasculares. Distúrbios do sono podem afetar as funções imunológicas, influenciar o controle central do apetite e o gasto de energia, bem como aumentar os níveis do hormônio de estresse”, explicou Pyko à BBC News Brasil.
Por enquanto, mudanças no índice de massa corporal e na circunferência da cintura de 71.431 participantes do teste mostraram-se irrelevantes do ponto de vista estatístico. Para cada 10 db de aumento no ruído do tráfego, foi constatado um aumento irrisório no peso corporal das pessoas incluídas na pesquisa.
Um dos documentos que serviram de base às recomendações associa o excesso de ruído a doenças metabólicas e cardiovasculares, zumbidos nos ouvidos e déficits cognitivos em crianças. “Os efeitos fisiológicos do barulho são induzidos por dois sistemas diferentes, que ativam uma “reação em cadeia que leva à excreção de adrenalina e noradrenalina. O mecanismo prepara o corpo para a luta ou a fuga, mobilizando a energia nos músculos, coração e cérebro e reduzindo o fluxo de sangue nos órgãos internos”, revela o guia de recomendações da Organização Mundial da Saúde.
Isso deixa o corpo humano em estado de alerta, como explica o documento. Com relação aos déficits cognitivos em crianças, a fonoaudióloga Fiorini propõe ações conjuntas em creches e escolas, por exemplo, que possam minimizar os distúrbios de inteligibilidade da fala no ambiente escolar, um fator às vezes subestimado como fonte de exposição contínua ao ruído. Fiorini sublinha que os distúrbios de voz não afetam só as crianças. “Precisamos considerar as vertentes educacional e ocupacional que incluam os funcionários e professores no ambiente escolar”, diz a fonoaudióloga.
Nas situações de estresse crônico, o corpo secreta o hormônio cortisol, que libera sentimentos de aflição, ansiedade e depressão, aponta o relatório. A exposição recorrente a muito barulho causa a liberação desregulada de hormônios, o que leva a OMS a recomendar que uma pessoa não esteja exposta a mais de 30 db no quarto de dormir. Nas escolas a recomendação é restringir o nível de ruído em sala de aula a menos do que 35 dB. Além disso, as populações pobres, que não podem morar em bairros mais calmos ou ter residências com isolamento adequado, sofrem mais.
No caso da poluição sonora de cidades existe um conflito de interesses entre pessoas que precisam se locomover, da maneira mais ágil e barata possível, e as pessoas que têm direito ao descanso restaurador da saúde. “A solução na escala urbana é complexa e multidisciplinar. Exige a criação de políticas públicas, o que leva tempo e depende da ação dos governantes”, finaliza Holtz.