Barulho no sono, mesmo o que não acorda, pode causar doença cardíaca
A poluição sonora também pode causar doenças cardíacas. Um estudo científico publicado recentemente pela Universidade de Harvard concluiu que a poluição sonora em longos períodos pode causar problemas cardíacos mesmo quando estamos dormindo. O estudo é inédito, confirma resultados de pesquisas anteriores sobre a exposição sonora durante o dia e incluiu o acompanhamento de 113 mil voluntários por 30 anos.
“Cada vez mais é necessário dar a poluição sonora a importância necessária. No caso da cidade de São Paulo, já temos uma lei que torna o mapa de ruídos obrigatório desde 2016, assim como a criação de uma política de gerenciamento de ruídos. É necessária a mobilização de todos nós para cobrar o poder público para que a lei, resultado de anos de discussões na Câmara Municipal de São Paulo, seja cumprida“, declara Marcos Holtz, presidente da ProAcústica.
Fonte | Jornal O Estado de São Paulo – Metrópole/Bem-estar – SP – 28/01/2024
Autoria | Fabiana Cambricoli
Conteúdo Impresso | Acesse aqui
Conteúdo Online | Acesse aqui
Veja a matéria na integra: Barulho no sono, mesmo o que não acorda, pode causar doença cardíaca
Estudo da Universidade Harvard mostra que ruídos noturnos – ainda que baixos – podem ser fatores estressores para o organismo e aumentar o risco de doenças cardiovasculares.
O som alto de uma festa ou o comportamento de vizinhos barulhentos são alguns dos vilões mais conhecidos de uma boa noite de sono e, quando frequentes, podem causar danos à saúde. Mas ruídos mais baixos e aparentemente inofensivos, como o do caminhão de lixo, também podem trazer problemas, mesmo que não sejam altos o suficiente para nos despertar durante a noite.
É o que revela um estudo da Universidade Harvard publicado no periódico Environmental Health Perspectives em dezembro. Por meio do acompanhamento de 113 mil voluntárias durante 30 anos, a pesquisa mostrou que ruídos noturnos, mesmo aqueles que não escutamos conscientemente durante o sono, aumentam o risco de problemas cardiovasculares quando há exposição a eles por um longo período de tempo. Estudos anteriores já haviam demonstrado essa relação para a poluição sonora diurna, mas é a primeira vez que um trabalho científico mostra esse potencial risco também dos ruídos noturnos.
Para chegar a essa conclusão, os cientistas monitoraram o nível de ruído no entorno do endereço das participantes durante o dia e a noite durante anos. Eles acompanharam ainda o número de participantes que tiveram doenças cardiovasculares como infarto e acidente vascular cerebral (AVC) e fizeram ajustes estatísticos para que outros fatores de risco, como poluição do ar e condição socioeconômica, não influenciassem o resultado.
Eles também dividiram as participantes em cinco grupos de acordo com o nível médio de ruído noturno medido ao longo dos anos, variando de 37,9 decibéis a 47,1 decibéis – para efeito de comparação, uma conversa sussurrada emite cerca de 30 a 40 decibéis.
Ao final do monitoramento, os pesquisadores verificaram que, a cada aumento de 3,67 decibéis, houve alta de 4% no risco de doenças cardiovasculares. O incremento de risco foi para doença arterial coronariana (5%) do que para AVC (2%).
“Há pessoas que moram em vias movimentadas que dizem ‘eu nem ouço o barulho’. Mas mesmo que você não o ouça, ou não perceba conscientemente, ele ainda pode ser potencialmente prejudicial à sua saúde”, afirmou Charlie Roscoe, pesquisadora da Escola de Saúde Pública de Harvard e uma das autoras do estudo, em uma entrevista ao site da faculdade.
Ela esclarece que isso acontece porque esses ruídos, ainda que não sejam escutados conscientemente, funcionam como fatores estressores para o nosso organismo. “Mesmo que você não esteja consciente, ou não acorde à noite por causa do barulho, você ainda tem uma resposta ao estresse, que resulta em atividade cerebral que leva à desregulação dos seus hormônios do estresse, o que pode levar, ao longo do tempo, a problemas como resistência à insulina, diabetes e questões cardiovasculares”, afirmou Roscoe.
Cardiologista do Hcor, Nathan Valle Soubihe Jr. afirma que esse estresse aumenta a inflamação e dispara reações no corpo como se ele estivesse em alerta. “O barulho constante tem essa capacidade de gerar estresse, que leva à liberação de neurotransmissores como catecolamina, adrenalina e cortisol, e de mediadores inflamatórios. O processo leva ao aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, que, sabidamente, são fatores que elevam o risco cardiovascular”, diz.
Mas como é possível ficarmos estressados se nem estamos ouvindo esses ruídos? “O seu ouvido funciona 24 horas por dia. Você pode estar dormindo, mas seu ouvido está ligado, ouvindo subliminarmente, porque a audição é o sentido mais importante para a defesa dos animais durante o sono”, explica Ricardo Bento, professor titular de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Por causa disso, quando há ruídos noturnos repetitivos, o ouvido segue captando-os e isso dificulta que possamos acessar as fases de sono mais importantes para a nossa saúde, como a fase 3 do sono não-REM, momento do sono profundo e reparador, ou o próprio sono REM, estágio fundamental para a manutenção de funções cognitivas como memória e capacidade de aprendizado.
Os ruídos, ainda que discretos, podem, portanto, provocar um sono fragmentado, com múltiplos despertares, ou impedir que tenhamos a quantidade ideal de sono profundo. Em ambos os casos, o organismo vai sofrer com esse indevido estado de alerta.
“No curto prazo, esse menor período de sono profundo pode dar aquela sensação no dia seguinte de cansaço, irritabilidade e falta de concentração. No longo prazo, essa liberação frequente dos hormônios de estresse podem levar a problemas cardiovasculares”, explica Erika Treptow, médica e pesquisadora do Instituto do Sono.
Como reduzir o impacto dos ruídos noturnos
A especialista esclarece que não são só barulhos externos e que estão fora do nosso controle que podem ser vilões. “Quantas pessoas não estão expostas aos ruídos das notificações do celular ou aos estalos da geladeira, por exemplo? Uma coisa que devemos fazer é reduzir esses estímulos sonoros durante a noite e podemos começar a fazer isso deixando o celular no silencioso quando formos dormir”, recomenda a médica.
Outras estratégias que podem ajudar a reduzir o impacto do barulho noturno sobre a saúde incluem usar protetor auricular durante o sono e instalar janelas antirruído. “Para quem não tem condições financeiras de colocar uma janela desse tipo, uma cortina de tecido mais grosso, com duas camadas, já ajuda a abafar o som”, recomenda Treptow.
Ela diz ainda que é preciso observar outros fatores que ajudam a ter um sono de boa qualidade, como pouca ou nenhuma luminosidade e uma temperatura agradável no quarto. Da mesma forma, dizem os especialistas, é preciso controlar os outros fatores de risco para doenças cardiovasculares, como fazer atividades físicas por 150 minutos por semana, evitar alimentação rica em gorduras, sal e açúcar, não fumar e fazer o tratamento correto para eventuais doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.