Poluição sonora afeta nossa chance de envelhecer bem
Ruídos acima de 65 decibéis têm impactos nocivos na saúde física e mental
Fonte | Folha de São Paulo – Folha Corrida – SP B8 – 05/08/21
Autoria | Alexandre Kalache
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Há mais de cem anos a poluição sonora foi reconhecida como um problema de saúde pública. Em 1910, o alemão Robert Koch, pai da microbiologia e prêmio Nobel de medicina, disse: “Um dia a humanidade precisará lutar contra a poluição sonora com a mesma determinação que luta contra a peste ou a cólera”.
Cinquenta anos depois, os efeitos deletérios do ruído passaram a ser documentados cientificamente em diferentes contextos. Em 1975, o então presidente da Sociedade Britânica de Psiquiatria, Michael Shepherd, publicou um artigo chamando atenção para o impacto nocivo à saúde física e mental da poluição sonora.
Era um mundo muito mais silencioso. O ruído do trânsito e os amplificadores potentes eram incipientes. Trios elétricos não existiam, nem motos envenenadas. O que diria ele se vivesse não na mais pacata Inglaterra de então e sim no Brasil de hoje?!
Em termos qualitativos, a poluição sonora é definida como a “exposição a fontes sonoras desagradáveis, não desejadas e não demandadas”. A reação é subjetiva e individual. Quantitativamente, a poluição sonora pode hoje ser facilmente medida e patamares do que é “aceitável” foram definidos há décadas.
Em 2016, um artigo publicado na revista Lancet descreveu a extensão dos problemas causados pela poluição sonora. Os efeitos incluem hipertensão, aceleração do ritmo cardíaco, distúrbios da circulação periférica, arritmia, aumento de doença cardiovascular, diabetes, perda de acuidade auditiva e equilíbrio.
E ainda irritabilidade, distúrbios do sono (inclusive muito depois do ruído ter cessado), diminuição do desenvolvimento cognitivo em crianças, irritabilidade, ansiedade e problemas graves de saúde mental, podendo levar ao suicídio.
Em 2017, a revista Scientific Research in Public Health publicou um artigo comparando a saúde mental entre indivíduos mais ou menos expostos à poluição sonora em zonas urbanas – confirmando o descrito no artigo acima e acrescentando aumento da agressividade e violência social.
Em 2019, a OMS (Organização Mundial da Saúde) indicou a existência de três epidemias globais: obesidade, solidão e poluição sonora, ficando essa atrás apenas de poluição atmosférica como problema ambiental. Em estudo conjunto com a Agência Europeia do Meio Ambiente, calculou-se que ela foi responsável naquele ano por 18 mil mortes e 80 mil hospitalizações apenas na Europa ocidental.
A cacofonia em altos decibéis – do comércio legal ou ilegal anunciando seus produtos, da música regulamentada, mas não fiscalizada, dos veículos ruidosos sem qualquer controle ao volume do falar -, tudo contribui para transformar nossos centros urbanos em ambientes insalubres.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a orla foi “privatizada”. Em Copacabana, os quiosques, um ao lado do outro, competem para ver qual toca mais alto.
Os inúmeros bares das ruas laterais invadiram as calçadas, e os clientes perdem a inibição à medida que o nível alcoólico aumenta. Gritam, cantam, “torcem” por seus times que competem a milhares de quilômetros. Vandalismo urbano. Os bares fecham, mas eles seguem aglomerados e alterados, e aí surgem os vendedores ambulantes de bebidas. Tudo às barbas da polícia.
A OMS define como poluição sonora ruídos acima de 65 decibéis. Bares e restaurantes ao ar livre passam dos 110.
Na chamada “periferia”, que pode estar a 300 m da “cidade formal”, são os bailes funks, os pagodes, o som alto do vizinho. E não ouse reclamar, seja aonde for que você more.
De afáveis e cordiais, os brasileiros estão se tornando hostis e irritadiços. Nosso maior patrimônio, a forma de ser, está sob ameaça. A poluição sonora é um fator para tal.
Sabia que tudo isso impacta sua chance de bem envelhecer?