Depois de incêndio, auditório Simón Bolívar do Memorial da América Latina passa por reforma e ganha novo projeto acústico
O projeto de reforma corrigiu uma anomalia que era a excessiva focalização sonora na plateia. Uma ou duas fileiras da plateia ouviam muito bem e todo o resto da sala recebia o som de forma precária. O projeto de reforma corrigiu esse problema ao priorizar a difusão sonora, fazendo com que as reflexões provenientes do teto sejam distribuídas por toda a plateia.
O conjunto arquitetônico do Memorial da América Latina, inaugurado em março de 1989, em uma área com mais de 84 mil m², no bairro da Barra Funda, faz parte do rol dos mais importantes projetos do arquiteto Oscar Niemeyer. Em duas praças, separadas por uma avenida e conectadas por uma passarela, os oito prédios do conjunto abrigam manifestações artísticas e científicas latino-americanas em São Paulo. Quem passa por perto, identifica o memorial pelo concreto pintado de branco das coberturas, os caixilhos de vidro preto e o piso sem pintura.
O auditório Simón Bolívar, que faz parte desse conjunto de edifícios, contém um palco para duas plateias, capaz de abrigar espetáculos de balé e de música clássica, shows de MPB ou de tango e, ainda, convenções ou seminários de natureza política, econômica ou acadêmica. Identificado pela cobertura com três abóbodas, o auditório Simón Bolívar – que alguns consideram uma releitura da igreja da Pampulha – ganhou fama como um dos principais palcos do cenário cultural e artístico do país até o incêndio que, em novembro de 2013, destruiu o auditório e interrompeu as atividades.
No último dia 16 de dezembro de 2017, pouco mais de quatro anos depois da tragédia, o auditório foi reaberto ao público, após a conclusão das obras de recuperação que custaram 42 milhões de reais. Com uma área de 6 mil m² e 1.788 lugares divididos em duas plateias, o novo auditório continua sendo a sala de espetáculos com o maior número de assentos, mantida pelo poder público em São Paulo. A recuperação conservou o projeto original de Niemeyer, mas passou a oferecer uma nova experiência acústica aos espectadores, a partir do projeto da Passeri Acústica.
A reconstrução do auditório teve como prioridades a segurança, a acessibilidade, o conforto e a qualidade sonora da sala de espetáculos. A partir da reforma, cortinas, carpetes, poltronas e todos os materiais de revestimento do auditório passaram a ser ignífugos, para afastar da memória a possibilidade de um novo incêndio. Além da recuperação estrutural do edifício, a obra envolveu instalações elétricas, hidráulicas, acústicas, cenográficas, de acessibilidade e de ar-condicionado, de acordo com as exigências do Corpo de Bombeiros.
O diálogo entre as formas sinuosas do edifício, a escolha dos materiais e os usos previstos para a sala de espetáculos foi a principal condicionante do projeto de acústica. “A transparência e a leveza das formas do auditório implicaram em desafios para o isolamento acústico. A grande pele de vidro, fixada em uma delgada estrutura metálica em ambas as fachadas, foi determinante para o partido acústico adotado na sala de espetáculos”, explica Lineu Passeri, arquiteto e diretor técnico do escritório responsável pelo projeto de acústica.
As duas fachadas de vidro foram reconstruídas com base na especificação do projeto original de Niemeyer, cujas características acústicas foram extrapoladas por simulação computacional para o afinamento na especificação dos complementos isolantes das paredes da sala de espetáculos. Segundo Lineu, as fachadas laterais de vidro contribuem para o conforto acústico do auditório, pois resultam em verdadeiras antecâmaras contínuas entre a sala de espetáculos e o meio externo. Esses corredores laterais já faziam parte do projeto original de Niemeyer e auxiliam no isolamento acústico da sala de espetáculos
O auditório foi projetado para apresentações musicais de grandes grupos, como a Orquestra Jazz Sinfônica. Mas pode receber espetáculos com piano, violão, voz e quarteto de cordas. O isolamento acústico foi pensado para minimizar os níveis de ruído de fundo e assegurar que ruídos intrusivos não interfiram nas apresentações nem comprometam a inteligibilidade da palavra falada, em todas as suas nuances. Para isso, explica Lineu Passeri, recorreu-se ao complemento no isolamento das vedações verticais de alvenaria comum – por meio da construção de contraparedes em chapas duplas de drywall preenchidas com lã mineral – e antecâmaras (sound-locks), dotadas de portas acústicas STC40, criadas nos acessos da sala, para controle da interferência de som e luz externos quando alguém entra na sala com o espetáculo já iniciado.
O projeto original tinha pisos e paredes da plateia revestidos em carpete comum. O teto era de concreto aparente em formato abobadado e o piso do palco era de madeira.
As contraparedes originais, que eram de madeira compensada revestidas com carpete comum e foram decisivas na propagação do fogo, durante o incêndio que destruiu a sala em 2013, foram substituída pelas novas contraparedes de drywall, em placas fixadas em estrutura de aço galvanizado. Para manter a aparência do projeto original, o seu revestimento foi refeito com carpete buclê ignífugo.
Uma combinação de difusores e painéis absorvedores sonoros construídos com materiais ignífugos condiciona o espaço. “Devido ao formato da sala (palco central, com duas plateias e tetos abobadados) e à necessidade de se utilizar os mesmos materiais e acabamentos previstos no projeto original, inclusive a famosa tapeçaria de Tomie Ohtake, a solução acústica exigiu inúmeras simulações em modelos virtuais 3D, até que se chegasse à melhor condição possível”. Neste caso, o software de simulação utilizado foi o CATT – Acoustic.
O teto abobadado da sala de espetáculos implicava em uma séria anomalia que era a excessiva focalização sonora na plateia, no eixo que corresponderia ao centro do arco formado pela abóbada. “Com isso, tínhamos uma ou duas fileiras da plateia ouvindo muito bem e todo o resto da sala ouvindo de forma precária.” O projeto de reforma corrigiu esse problema ao priorizar a difusão sonora, fazendo com que as reflexões provenientes do teto da sala – agora dotado de difusores sonoros convexos – sejam distribuídas por toda a plateia. Esse conjunto de difusores sonoros convexos, instalados junto às lajes côncavas das duas plateias do auditório, assegurou um campo sonoro difuso equilibrado em todos os pontos da sala e agradou até aos ouvidos mais exigentes. São chapas de MDF laminado de 15 mm fixadas em estrutura tubular de aço galvanizado calandrado pintada de preto fosco, atirantadas na laje de concreto de cobertura. O RT60 de projeto foi de 1,5 segundos em 500 hertz e 1,6 segundos em 1.000 hertz mas esse tempo de reverberação da sala reconstruída ainda não foi checado in loco.
Crédito fotos | Marcelo Justo (Folhapress)
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