Barulho em restaurantes desperta debate sobre conforto acústico

O setor de restaurantes cresce junto com o barulho e um tumulto ensurdecedor, tanto interno como externo. Existe um grande desconhecimento do público: o usuário sente cansaço mas não tem ideia que a origem da fadiga pode ser o excesso de ruído. De maneira geral, parece indiscutível que a acústica deve responder a duas situações: o isolamento e o condicionamento acústicos. O isolamento deixa do lado de fora o ruído de ambientes ao redor do restaurante, advindos da rua ou de vizinhos. Para a atenuação, portas e janelas acústicas protegem as aberturas e vãos.

As modalidades de casas onde se preparam e servem refeições ao público variam de restaurantes com ingredientes importados, brasileiros ou de influências, restaurantes em shoppings, em hotéis, dentro de lojas ou de centros culturais, orgânicos, sustentáveis, hamburguerias, bares e botecos, com música ao vivo, casas de cozinha autoral, de carnes ou veganas, pizzarias, padarias, cafeterias ou sorveterias. O setor parece que entrou em ebulição e essa efervescência vem acompanhada de um tumulto ensurdecedor, tanto interno como externo. “Como consultor, sempre abordo a sensação do usuário, em primeiro lugar”, diz Marcelo de Godoy, da Modal Acústica. Para ele, um bistrô intimista ou enormes salões animados terão um “clima” e “nem sempre o que funciona para um será bom para outro”.

             Restaurante na Alemanha                                                           Restaurante Waku

Existem situações em que o cliente ainda nem adentrou ao restaurante e já está gritando com a hostess ou não entende o que ela diz no caminho até a mesa. Entra em ação apenas a comunicação por gestos. “Existe um grande desconhecimento do público a respeito do conforto acústico. A pessoa sente cansaço, mas não tem ideia que a origem da fadiga pode ser o excesso de ruído”, lembra Marcos Holtz, Vice-Presidente de Atividades Técnicas da ProAcústica. Holtz considera que, mesmo entre arquitetos, o tema é pouco difundido por ser tratado de maneira superficial nas faculdades de arquitetura. Os fabricantes de materiais acústicos estão acostumados a lidar com projetos de ambientes em que os envolvidos pensam no local, acabamentos, iluminação, equipamentos para a cozinha, qual o estilo arquitetônico e a decoração, cardápio e até a música ambiente, mas “esquecem” da acústica. Luciano Marcolino, diretor da Owa Sonex, já identificou proprietários “que só tomam ciência das condições acústicas do ambiente apenas após a inauguração”. Essa falta de cultura de projeto acústico deixa de “incorporar elementos nesses espaços que, na maioria dos casos, ficam dotados de superfícies lisas e rígidas que contribuem para a propagação do ruído no ambiente e, muitas vezes, para o exterior”, ressalta Vivian Ribeiro, gerente de desenvolvimento de mercado da Knauf AMF.

                      Restaurante Mercure                                                   Restaurante Rodeio

De maneira geral, parece indiscutível que a acústica deve responder a duas situações: o isolamento e o condicionamento acústicos. O isolamento deixa do lado de fora o ruído de ambientes ao redor do restaurante, advindos da rua ou de vizinhos. Para a atenuação, portas e janelas acústicas protegem as aberturas e vãos, que ficam vedados ou recebem intervenções que bloqueiam o som e permitem a passagem de ar, como as venezianas acústicas. No caso do condicionamento, a escolha dos materiais de acabamento, barreiras e mobiliário tornam o ambiente menos ruidoso, diminuindo o desconforto causado pelas várias fontes. A indústria oferece, ainda, linhas de produtos, em diferentes estilos arquitetônicos, que permitem instalações simples e rápidas, sem maiores interferências, indicadas para ambientes já em funcionamento. Visto de outro ângulo, o projeto de acústica de um restaurante para conversas íntimas ou de negócios poderia priorizar a privacidade sonora entre os clientes de mesas diferentes. “Neste caso níveis sonoros muito baixos podem ser um obstáculo a essa privacidade, sendo necessário recorrer a soluções de mascaramento, como um sistema de música ambiente dosado para esse fim”, afirma Lineu Passeri, diretor da Passeri Acústica.

Marcos Holtz adverte que, nos últimos anos, surgiu o conceito de capacidade acústica de restaurantes. Esta capacidade indica o número máximo de pessoas que seria possível colocar num ambiente sem perda da qualidade acústica. “Claro, isso depende dos materiais de revestimento e a capacidade acústica que será maior em espaços que utilizam materiais fonoabsorventes como forros e painéis nas paredes ou mesmo tapetes e mobiliário estofado”, salienta Holtz. Aplicados de maneira distribuída, em diferentes superfícies, elevam a absorção sonora e o conforto. “Locais sem linhas de visão, como as áreas abaixo das mesas, têm pouca eficiência. O uso de toalhas de mesa sobre feltro também pode ajudar na menor geração de ruídos de talheres, copos e pratos sobre as mesas.”

Marcelo de Godoy relembra que o controle de ruído e das vibrações de equipamentos internos e externos, a setorização do ruído, a análise e o controle de reverberação e de reflexões sonoras nos salões, além do isolamento do ruído externo precisam estar integrados à arquitetura, ao prazo de obra e ao orçamento. “O brasileiro está ficando mais exigente no retorno dos produtos e serviços que compra. Hoje, ele percebe que, no valor de uma refeição, está embutida a qualidade do ambiente: higiene, conforto, segurança e atendimento. O conforto acústico faz parte desse valor agregado ao produto gastronômico”, afiança Carlos Caruy, diretor da Placo. A empresa sugere aos especificadores paredes e forros em drywall para isolamento acústico de ambientes que foram adaptados para refeições. Para absorção sonora, existem soluções em chapas de drywall perfuradas para uso em paredes e forros. Marcolino da Owa Sonex adverte que existem produtos acústicos resistentes à umidade e aos vapores, com proteção extra a microrganismos.

Restaurante Swadisht, em Curitiba, contou com a instalação de mais de 1.500 m2 de placas de gesso
cimentícias e acústicas para atender aos requisitos de rapidez, conforto acústico, praticidade e obra limpa.

Poucos duvidam que “temos uma cultura leniente com o ruído pela característica expansiva do brasileiro”, afirma Marcos Holtz. A própria diversidade de ambientações e programas culinários revela que “comer se tornou uma experiência com a valorização da gastronomia. Como a experiência combina os sentidos (visual, gustativo, de aroma, tato e som), mesmo os restaurantes de boa comida podem oferecer experiências medíocres ou mesmo desagradáveis aos clientes, o que torna uma ameaça ao sucesso do empreendimento”, alerta Holtz. “Há uma evolução em curso e muitos arquitetos, engenheiros e proprietários já se conscientizaram da importância da qualidade acústica em restaurantes mas, ainda, temos um longo caminho à frente”, chama a atenção Marcelo de Godoy. E ainda existem as questões de regulamentação e exigências de projeto e manutenção que devem ser levadas em conta. “Além do conforto para o usuário, é preciso considerar a exposição dos funcionários ao ruído gerado no local e os efeitos dos ruídos sobre os trabalhadores expostos a altos níveis por períodos prolongados”, cita Carlos Caruy.

Parte dos problemas – como liquidificadores para bater vitamina ou suco, espremedores de laranja, máquinas de moer café, vaporizadores para esquentar o leite, batidas no coador para dispensar a borra, compressores de balcões refrigerados – pode ser controlada com o uso de materiais com alta absorção sonora – forros, painéis, revestimentos e baffles. Pessoas falando, atividade na cozinha, música ou TV são fontes sonoras que o uso de superfícies duras e reflexivas tendem a amplificar e espalhar. Lineu Passeri salienta que “no caso de fontes sonoras como aparelhos de som ou TV em restaurantes, esse aumento nos níveis de ruído interno obriga os interlocutores a falar em níveis sonoros ainda mais altos do que os níveis do sistema de som”. Luciano Marcolino faz uma ressalva, “até as redes de Fast Food, que tem estratégia de ambientação voltada para encurtar a permanência do cliente no restaurante, têm utilizado cada vez mais forros acústicos, oferecendo maior conforto acústico em suas lojas”. A Knauf AMF possui uma linha de placas para espaços de preparo de alimentos que podem ser lavadas e possuem alto índice de absorção sonora. “Mas, de fato, o excesso de ruído costuma ser um excelente ‘afugentador’ de clientes”, conclui Passeri.

                 Restaurante Rodeio                                                        Restaurante Jun Sakamoto

Fotos: as imagens divulgadas foram cedidas pelas empresas associadas Knauf AMF, Owa Sonex e Placo

TRE do shopping JK Iguatemi investe em acústica para criar atmosfera de requinte

 
Scripz Photo | Sergio Scripilliti

Alojado no boulevard do shopping JK Iguatemi, o restaurante TRE JK foi projetado pelo arquiteto americano – responsável pela fachada da Louis Vuitton da avenida dos Champs-Élysées em Paris – Eric Carlson, com arquitetura adaptada pela empresa Carbondale. O resultado incorpora um design arrojado em harmonia com a atmosfera requintada do JK. A fachada, composta de uma parede revestida com 800 taças de cristal foram produzidas com exclusividade na cidade de Murano, na Itália. A gastronomia italiana leva a assinatura do chef Rodrigo Queiroz, que reproduz os pratos consagrados da casa.

 
Fotos: Tadeu Brunelli

Em nome do conforto acústico à altura da culinária e do serviço, o TRE JK contratou o escritório Harmonia Acústica que começou criando um lounge na área de bar e espera. Neste ambiente, o forro recebeu um jateamento de celulose talochado que, pigmentado de marrom escuro, resultou num tratamento elegante, despojado. Além disto, sofás estofados de encosto alto, com revestimentos de tecidos também estofados nas paredes, proporcionam o conforto desejado em uma área de mais descontração e movimento de pessoas. “As especificações do projeto responderam a uma precisa ‘eficácia acústica’”, afirma Davi Akkerman, do escritório responsável pelo projeto.

Scripz Photo | Sergio ScripillitiFotos: Tadeu Brunelli

No salão principal, o forro pergolado de madeira com lãs minerais escamoteadas sobre as mesas receberam toalhas sobre feltro com cadeiras estofadas. Em continuidade ao forro principal, nas áreas de circulação de clientes e serviços, o revestimento de gesso não tem tanto destaque arquitetônico mas segue com o padrão acústico com placas de drywall ranhuradas com absorção sonora sobreposta. Nas laterais, voltadas para o salão, um enorme painel estofado com tecido aveludado, em diversas profundidades, otimiza a estética e a acústica do ambiente.

Na sala VIP, conectado com o salão, um espaço privado incorpora recursos acústicos também aplicados sobre o forro rebaixado e a parede principal. Para essa sala de pé-direito discreto, o espaço superior foi ocupado pelo sistema de ventilação e exaustão da cozinha, que contou com tratamento acústico e antivibratório, de maneira a minimizar a percepção de quaisquer sons intrusivos.

De acordo com Marcos Freitas, um dos sócios do empreendimento gastronômico, a frase “a comida estava muito boa mas o restaurante é muito barulhento”, não será mais pronunciada no TRE JK. Com esse projeto, afirma Freitas, “o equilíbrio sonoro faz com que o cliente consiga conversar com perfeição e sem esforço. Uma barreira invisível entre as mesas, mesmo próximas umas das outras, gera privacidade com uma boa trilha sonora”.