Prefeitura de São Paulo publica decreto que regulamenta ruído de obras
Durante quase dois anos a maioria dos brasileiros que pôde ficou recluso em casa tentando se proteger da pandemia da Covid-19. Mas não foi só o vírus que impactou o dia a dia das pessoas, o ruído causado por obras da construção civil chegou junto com a crise sanitária, podendo se tornar algo incômodo. Em São Paulo, e em outras cidades onde o fenômeno ocorreu, muitas pessoas aproveitaram o período para reformar ou construir e coincidiu com o início do ciclo de lançamentos imobiliários da construção civil. A construção de grandes edifícios tem gerado na vizinhança incômodos ruídos de obras.
Foi então publicado um decreto pela Prefeitura de São Paulo, através da Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSUB), de nº 60.581, no dia 27/9/2021, que regulamenta o controle de ruídos na execução das obras de construção civil no município. Segundo a SMSUB, a regulamentação tem o objetivo de compatibilizar a segurança e o sossego a toda população e garantir a continuidade das obras de construção civil. E, ainda, ressalta que as obras de construção ficam sujeitas aos limites de níveis de pressão sonora especificados, sob pena de multa a ser lavrada pelos agentes do PSIU – Programa de Silêncio Urbano, caso haja descumprimentos das disposições descritas no referido regulamento.
Quem reside em São Paulo e um dia precisou abrir uma ocorrência para denunciar uma infração de excesso de ruído e ativar a fiscalização do PSIU sabe das dificuldades de recursos materiais e de pessoal que essa área da prefeitura enfrenta. Como fazer para fiscalizar bares, restaurantes, festas, condomínios e os chamados pancadões nas periferias, que atormentam a vizinhança em cidade desse tamanho? E agora, com o novo decreto, entram no escopo as obras e reformas da construção civil.
Para Juan Frias, coordenador do Comitê Acústica Ambiental da ProAcústica, mais do que a fiscalização durante a obra a legislação deveria obrigar os empreendedores a fazerem um estudo prévio de impacto ambiental, para evitar incômodos posteriores durante a realização da obra. Esses estudos apontariam quando no processo ocorreriam as fases de maior incômodo ao entorno e obrigaria o empreendedor a implantar medidas mitigadoras de forma antecipada. O objetivo deveria ser, nesses casos, o de evitar reclamações futuras e minimizar o uso de recursos a serem utilizados na fiscalização. “Assim o esforço em fiscalizar será menor, pois diminuirá o número de reclamações. Trabalhar de forma preventiva é muito melhor do que de forma corretiva, na base da fiscalização”, salienta Frias.
De acordo com o vice-presidente de Tecnologia e Sustentabilidade do Secovi-SP, Carlos Borges, “o setor da construção civil apoia a regulamentação do tema e está empenhado em cumprir a norma e continuar contribuindo com a qualidade de vida da população”. Segundo ele, o setor assim o fez em relação ao decreto que regulamentou a elaboração do Mapa do Ruído Urbano da Cidade de São Paulo (prevista na Lei 16.499, de 20 de julho de 2016), e o faz no que diz respeito ao PSIU, estabelecido em 1994, para tornar mais pacífica a convivência entre os cidadãos.
Dúvidas na interpretação do decreto
O texto traz exceções de multa, tais como para obras públicas e ruídos de estrutura – sem especificar quais ou o que seriam esses ruídos. Além disso, isenta de limite os ruídos de atividades de terraplenagem, fundações, carga e descarga de insumos. O que, segundo Frias, “teoricamente geram incômodo igual a outras atividades em canteiros de obras”. Essas imprecisões abrem brechas para o não cumprimento da legislação em várias situações. Uma delas, por exemplo, seria para a construção de um prédio de alvenaria estrutural, já que a execução da estrutura corresponde quase que praticamente à obra toda. Sendo assim, para esse tipo de construção não haveria limite de ruído?
Em relação às obras públicas, a prefeitura informou que quer ter liberdade para executar as obras de interesse público em horários alternativos como, por exemplo, o recapeamento de ruas feito à noite.
Borges reconhece que pode haver confusão, pois os ruídos se misturam e provêm de inúmeras fontes, mas afirma que é correto e necessário segregar algumas atividades por vários motivos. “Primeiro, porque a execução das estruturas envolve atividades que não podem ser interrompidas e que exigem utilização de equipamentos que pontualmente emitem ruídos maiores dos que são permitidos, o mesmo raciocínio vale para terraplenagem e fundações”, ressalta.
Do ponto de vista econômico o decreto não pode supor um freio para a atividade econômica das incorporadoras e construtoras, mas o contrário. “O ideal seria a lei funcionar como incentivadora de uma evolução progressiva para a incrementação de metodologias construtivas mais silenciosas”, explica Frias. Para ele, o decreto é um pouco vago e arbitrário para alguns assuntos. O ideal é a legislação prever limites mais restritivos para localidades residenciais e menos restritivos para áreas com menos pessoas potenciais a serem incomodadas. Ou seja, os limites precisam ser diferentes para cada localidade”.
Como avaliar e fiscalizar?
A metodologia para se realizar a fiscalização das obras é outro ponto polêmico que não está na redação do decreto. O processo precisa ser claro e objetivo, definido para que o empreendedor tenha segurança jurídica. São aspectos técnicos como a definição sobre quando e como se dará a fiscalização. Será quando houver reclamação dos moradores do entorno da obra? Se sim, como será o procedimento de abordagem nas obras? Será de surpresa? Como os fiscais farão os procedimentos na prática descritos pela ABNT NBR 10151?
Borges explica que há dois aspectos que precisam ser considerados na medição dos ruídos. Uma a de que não pode ser feita de forma instantânea e deve obedecer aos critérios definidos em normas técnicas, no caso da NBR 10151. A outra é com relação à descarga noturna de materiais, permitida somente no período entre 21h e 24h. Segundo ele, um horário que dificulta muito o cumprimento da lei, pois há cargas que, por sua natureza, demoram para ser descarregadas.
A fiscalização é um processo complexo, pois a medição precisa levar em consideração os ruídos externos à obra. “A norma diz que quando não são atingidos os limites exigidos é necessário fazer uma avaliação dos sons residuais da fonte de ruído em operação. Então teria que fazer primeiro a medição com a obra funcionando e depois com ela parada, para efetuar uma nova verificação. Um procedimento difícil de fazer a avaliação completa”, ressalta Frias.
Soluções mitigadoras
As tecnologias para a atenuação dos impactos da atividade construtiva no Brasil são outro desafio. Segundo Borges, há limites técnicos hoje para atenuação de ruídos gerados pelas obras em razão do estado da arte da engenharia e das tecnologias e equipamentos existentes. “Mas, apesar disso, se desconsiderarmos os ruídos instantâneos e as atividades específicas excluídas no decreto, de uma forma geral dá para atender”, pontua ele.
Em vários países é obrigatório que o empreendedor da construção apresente um estudo de impacto ambiental antes do desenvolvimento da obra. Para obras de maior porte é exigido um mapeamento de ruído e uma simulação com modelagem dos impactos no entorno. A partir desses estudos é possível avaliar e prever quais equipamentos barulhentos serão necessários utilizar nas diferentes fases da obra. Com modelos computacionais acústicos se pode prever as possíveis fontes de ruído e simular qual será o impacto acústico nos prédios residenciais vizinhos e em que momento isso vai acontecer.
Em áreas sensíveis, como as residenciais, caso os estudos mostrem que a obra ultrapassará os limites legais de ruído é necessário realizar um planejamento sonoro da obra, com a possibilidade de fazer mudanças de tecnologias construtivas. Nesse caso, existem formas de executar trabalhos de corte de peças metálicas e de ferragens dentro de espaços fechados, uma espécie de enclausuramento. Evitar o batimento de estacas em determinados horários e usar geradores de energia insonorizados. Uma das medidas mitigadoras de incomodidades mais importantes nesse contexto é a comunicação. Informar a população vizinha sobre quando serão os momentos mais críticos do planejamento para que haja uma programação de atividades é um ato de cuidado com a saúde.
Mas ainda existe a possibilidade de esclarecermos boa parte destas dúvidas. No parágrafo 5, Art. 11 do referido decreto, fica a cargo da prefeitura a elaboração de um “Manual de Controle de Ruído de Obras Privadas do Município de São Paulo”, com objetivo de estabelecer orientações quanto as disposições deste decreto.
A ProAcústica se coloca a disposição para colaborar na elaboração deste manual para permitir que a aplicação do decreto seja plena, com os devidos esclarecimentos às questões levantadas neste artigo.